Sunday, December 24, 2006

Aparição

I have no power left within me to resist the appeal of this overwhelming tune with which you have chosen to enlighten me. In a last cry of despair for my former self I write to you in a language I’m more familiar with, a language that barely holds my sanity together, alas, it is the only way I can think of to gather the random pieces of my shattered former self and fight you off before it is too late. This is my last resource to resist your summon. Already, stupid as it may seem to an indifferent spectator, I’m in love with you. Amo-te. And I wish to be with you forever, even if for Ever is but this brief episode of eternity when two souls touch each other and become One. For Eternity. Let me touch you. I just want to touch you. Now.

………………………………..

Quinze páginas para traduzir. Ainda quinze páginas. The Medicine Bundle. Que diabo tenho eu a ver com The Medicine Bundle? Estou cansado de traduzir, cansado do trabalho na padaria e de chegar a casa às sete da manhã para ter ainda de me ir sentar à secretária a traduzir um texto que nada me diz. The Medicine Bundle. Sure, it’s an interesting story, it’s got to do with native-americans and their particular mystical take on reality. E depois, como pensar em The Medicine Bundle se só penso em ti? Não, não posso pensar em ti. Tu és uma não-realidade. És produto da imaginação. Tu és tudo aquilo que sonhei, e ao mesmo tempo tu és tudo aquilo que nunca quis.

Isto não faz sentido, ou faz? Não, não faz sentido, já são sete e meia, espera um pouco, como é que é mesmo, como é que se lê isto? Ah, já sei: It was five minutes after closing time when the museum curator... O que é um museum curator? Oi, está a tocar o telefone. Do lado de lá um amigo: vai ao Google, calma rapaz, estás cansado, eu sei, vai ao site da Faculdade; no corpus do departamento vais encontrar o equivalente de "museum curator". Calma. I'm with you. Já fui, está limpo, já sei o que é um museum curator, sempre o soube, sim, sempre o soube, e agora ninguém me trava, ninguém me pára, who’s the man, meu amigo? Who’s the man? Não te esqueças... Remember what I thought you years ago, do you remember? Recorda só mais uma vez: You’re good kid, you’re good, but as long as I’m around, you’ll always be second best. Toma, aprende, é mais uma pérola que te dou. Enquanto estou vivo. Que conversa é essa? A conversa é que cheira-me que não me sobra muito tempo. Os cilindros, a merda dos cilindros está a matar-me. Eu sei que estou a morrer. O meu pai teve o ataque cardíaco aos 45. O meu avó morreu do mesmo aos 50. Estou com 36. Estou a morrer. Tenho de resolver isto dos cilindros, que vício tão estúpido. Anda lá... You’re the man, you will work it out. Are you chicken?..

No, I’m not chicken. I’m a boy, I’m a simple boy, a simple boy living in the past, fighting for life in the present, I’m but a boy trapped in and old man’s mind. Fighting for life, fighting for her or against Her in the present, I don’t know. I don’t know. I don’t even know who or what She is.
Ok, dorme bem, amanhã tenho a família por cá e não posso aparecer de olheiras. Fica.

O telefone fica mudo. Siga, merda, este texto não é mais forte do que eu. Nem pensar, já te mostro. Medicine Bundle, é? Que se fodam as carcaças. Bolas? Bolas não temos, só Vianas. A cinco euros à hora não há tempo para bolas, e se não gostam encontrem outro palhaço que não se importe de queimar os dedos a tirar e a meter o pão do forno.
………………………………

The Medicine Bundle é… Eu já te mostro. Espera aí, aquele gajo da Fac enviou-me um mail a gabar-se de que tinha encontrado um equivalente… Espera aí, o que andará o gajo a fazer? Bem, é Natal, deve estar bêbado. Não há-de ser nada. O editor só quer esta porra daqui a uma semana, vou mas é morder o texto; o título fica para o fim; é assim que mandam os livros, é assim que vou fazer. Puta que pariu o pão está quente. Merda, já feri os dedos, ai!..

E depois tu. Porque me fui meter contigo?


Porquê? Vais acabar por dar cabo de mim. Vais matar-me ainda mais depressa do que os cilindros. És bela, de uma beleza ímpar. A tua beleza queima. A tua beleza queima mais do que o forno a mil graus. Ó Deus, este ateu, este ateu e anti-clerical confesso implora-Te. Salva-me dela. Salva-me que ainda morro de Amor por Ela.
…………………………….

Pardal, são mais quinze bolas para cumprir a cota e fechar a loja por hoje. Pardal? Estás na Lua? Ó Pardal?!? O quê? Sim sou eu, Pardal para os mecos da padaria, Pardal para os mecos do patronato, Pardal para as miúdas da loja da frente, Pardal e é por causa de estar sempre a assobiar a mesma melodia, sempre quando me esqueço do mundo, me esqueço de The Medicine Bundle, me esqueço do pão e de todos e só te vejo a Ti, só tenho olhos para as tuas palavras, para o teu Amor, para o desejo de te possuir e de enfim te vergar à minha vontade egoísta - enquanto vou cozendo fornada de pão após fornada de pão.

O Barbeiro de Sevilha. É a melodia que assobio. Não me perguntes por quê… É belo, quase tão belo como tu. Quase tão belo como eu sou feio e tu és magnífica. Tu – Aparição.


Post Scriptum. Pardal, queres vir connosco até ao Tejo? A Susana e a Rita também vêm… Sabes o que a Susana me disse? Disse-me que a Rita te acha giro, rapaz, estás cheio de sorte!.. Não vens? Como não vens? A cota do pão está cumprida, o boss diz que tu és um bom profissional e acho até que vamos os dois ser aumentados!.. Tens trabalho de casa? Deixa lá o trabalho de casa, se tu não vens a Rita vai ficar aborrecida e vai chatear a Susana e depois quem se lixa sou eu! Ainda não percebeste que a Rita gosta de ti? Porra, pára lá de assobiar essa música sem pés nem cabeça e vem com a gente ao Tejo, não imaginas como é bonito o Tejo na madrugada de Natal com uma cachopa nos braços…

Imagino sim. Ai não que não imagino. Mas. Sabes, eu, quando for ao Tejo, vai ter de ser com Ela. Ou então, não vou lá com mais ninguém.